Por Vânderson Domingues

Há alguns dias assisti a um episódio (se é que se pode chamar assim) do reality show Hipertensão. Confesso que fiquei pensando sobre essa formatação dos programas televisivos. Parece que os canais de TV seguem, nos últimos anos, uma tendência de colocar seus participantes enfrentando limites considerados universais. Programas como No Limite, A fazenda, Casa dos Artistas, Busão do Brasil, Big Brother e o próprio Hipertensão expõem muitas vezes seus concorrentes a situações extremas de provação, seja em grau físico, emocional, mental, energético/espiritual ou uma combinação dos mesmos.

Sobre o programa em questão, o próprio nome apresenta seus objetivos: Hiper + Tensão. Noutras palavras, a tensão que ultrapassa o habitualmente suportado. É relativamente comum assistirmos neste e em outros Reality Shows testes de resistência aos quais participantes são submetidos até mesmo às situações de perigo de morte. Em algumas provas ocorrem circunstâncias radicais como dirigir um carro ultrapassando círculos de fogo ou estar em uma piscina repleta de animais peçonhentos.

Essa busca constante por adrenalina é vendida como algo positivo, como uma heroica saga em uma jornada onde é preciso ter “muita coragem, garra, determinação, equilíbrio e controle emocional para vencer” [1], segundo o site do programa Hipertensão.  

Porém, o que não fica explícito nos anúncios é o quanto esse processo pode ser danoso aos participantes.

Programas de reality shows trazem em si uma carga de ansiedade que começa quando a pessoa se torna candidata tendo que se submeter a diversos procedimentos para ser aceita. Para os selecionados, o estresse continua através do grau de exposição manipulada em busca do sonhado prêmio, sobretudo nos programas de competição eliminatória. Se as provas de eliminação levam os concorrentes aos seus limites, essa tensão é ainda maior. No dia em que tive oportunidade de assistir (ao Hipertensão), por exemplo, a participante eliminada teve câimbras e tremores. Ela repetia em pânico um pedido de socorro após a prova de “Capacete de enguias” ou "Capacete dos Infernos", numa aparente manifestação de colapso do sistema nervoso.

Do ponto de vista terapêutico esse tipo de reação (crise) pode ocorrer por haver uma extrema e/ou sucessiva exposição a experiências traumáticas.

Mas o que é Trauma?

Trauma em grego significa ferida. Há bem pouco tempo acreditava-se que trauma fosse somente relacionado a experiências pontuais. Comumente os especialistas se referiam a trauma psicológico citando eventos específicos como a morte de pessoas próximas, desilusão, abuso sexual, violências diversas ou eventos catastróficos como terremotos e afins [2].

Eventos dessas proporções não ocorrem sempre e/ou com todas as pessoas. Entretanto, traumas podem ocorrer com qualquer um. Com as atuais cartografias da neurociência tem sido possível perceber que trauma também pode se referir a ultrapassar limites psíquicos universais e pessoais. Os limites universais, em um de seus aspectos, dizem respeito a memórias genéticas que geralmente estão relacionados com o que chamamos leigamente de instinto de sobrevivência. Como limites pessoais, podemos considerar os universais combinados ao histórico de cada pessoa ao processar experiências. Em ambos os casos, os limites apontam para a sensação de barreira de segurança ultrapassada em quaisquer situações, sejam pontuais e/ou crônicas [3]. Ou seja, é possível que se construa um trauma em circunstâncias consideradas comuns da vida cotidiana, mas que constantemente excedam a sensação de segurança.

Vale dizer que ultrapassar essa barreira de segurança não possui somente caráter subjetivo. As vivências traumáticas podem provocar mudanças físicas  e neuroquímicas no cérebro, alterando o modo como a pessoa lida com experiências corriqueiras. A pessoa traumatizada passa a agir em novas situações baseando-se irrefletidamente nas vivências anteriores, percebendo os novos acontecimentos como uma repetição negativa e respondendo de modo desproporcional e distorcido [4].

Somado a isso, a mudança cerebral pelo trauma causa sintomas que uma anamnese superficial pode apontar para uma gama de doenças psíquicas, dificultando o tratamento. Diagnósticos equivocados de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), Síndrome do Pânico, Distúrbio do Déficit de Atenção (DDA), Transtorno Afetivo Bipolar e Depressão são alguns exemplos dessa confusão [5]. Há também casos de surtos psicóticos que se desencadeiam através do Transtorno do Estresse Pós-traumático (TEPT).

O Transtorno do Estresse pós-traumático é, em grosso modo, a energia de uma vivência intensa que ficou reprimida. Isso ocorre por haver três reações básicas aos mamíferos (inclusive humanos) diante de uma situação de ameaça: lutar, fugir ou congelar. Quando não se consegue lutar nem fugir o evento cristaliza na memória (física, mental, emocional e energética/espiritual). Esse estado pode impedir a pessoa de levar uma vida normal, acionando um alarme interno em momentos em que ela se depara com situações que inconscientemente sejam associadas às experiências “congeladas” [6].

Do ponto de vista energético e espiritual, experiências não liberadas causam um desgaste intenso demandando muito esforço para se manter uma vida normal. Além disso, pode causar obstrução dos chacras, rompimentos na aura e/ou pontos escuros que colocam a pessoa suscetível a doenças e a novos traumas [7]. É comum em terapia de regressão o acesso a memórias traumáticas sendo carregadas como um “peso” quase insolúvel no presente [8]. Estas memórias tendem a se manifestar como somatizações de doenças crônicas, muitas vezes sem diagnóstico médico preciso. Por vezes, são os casos de algumas enxaquecas e da fibromialgia [9].

Assim, o TEPT pode se tornar um círculo vicioso que se reforça e agrava vivência após vivência. Reverter situações de traumas profundos é um desafio para terapeutas e clientes, exigindo acompanhamento minucioso e pode ter difícil recuperação num sentido de saúde integral [10].

Dessa forma, se na modernidade temos cada vez mais possibilidades de traumas pela constância de estresse que somos submetidos, pode se dizer que nos reality shows existe um ambiente ideal para a instalação do TEPT. Por um lado experiências pontuais de alto grau de exigência do sistema nervoso, por outro, um ambiente invasivo e carregado de insegurança causado pela rivalidade e manipulação constantes.

Portanto, antes de se pensar em participar de uma competição como as dos reality shows, talvez seja interessante refletir se o prêmio oferecido vale o risco. Será que se submeter a uma agressão dessa dimensão ao sistema nervoso e propiciar possíveis danos à saúde em todos os níveis tem recompensa financeira e social que valha?

*Texto publicado em 2011 e revisado em 2025.


Referências

[1] HIPERTENSÃO. Entenda a competição. Disponível em http://hipertensao.globo.com/platb/hipertensao-2011/2011/09/06/foi-dada-a-largada-e-para-nao-queima-la-entenda-a-dinamica-do-jogo/ 2011. Último acesso em 16 de out. 2011

[2] WIKIPÉDIA. Trauma PsicológicoDisponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Trauma_psicol%C3%B3gicoÚltimo acesso em 16 de out. 2011

[3], [5], [6] RIBEIRO, Gastão. Apostila de curso. Feridas Escondidas: O que o trauma pode causar em você, 2010.

[4] LEVINE, Peter. Abre Aspas.  Jornal a Tarde 25/05/2008.

[7] BRENNAN, Bárbara Ann. Mãos de Luz: Um Guia para a Cura através do Campo de Energia Humana. São Paulo, SP. 17 Ed Pensamento 1999.

[8],[10] WOOLGER, Roger. As várias vidas da alma. 5 Ed. Cultrix 2007.

[9] PERES, Julio. Cefaleia e fibromialgia: dores além do trauma. Revista Psique, 2011. Disponível emhttp://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/55/artigo178060-1.asp#.TpowZ6ngf7I.facebook. Último acesso em 16 de out. 2011.