É muito comum apreendermos que os olhos são a "janelas da alma", como se o olhar pudesse nos remeter a mais nobre "essência" humana. Essa visão, construída em um mundo ainda dominado pelo dualismo mente versus corpo, é claro, parte da premissa de que nossa "vida interior" (subjetiva/abstrata) é mais importante do que a "vida exterior" (objetiva/concreta). Como escreveu a filósofa Hannah Arendt no livro A Vida do Espírito, essa concepção não passa de uma ilusão. Entretanto, Hannah Arendt também escreveu (no mesmo livro) que a vida da alma é mais bem expressa em um olhar do que em um discurso. Por isso, talvez eu prefira perceber o olhar, não como algo que possa mostrar o "oculto" do ser, mas como mais uma oportunidade de encontro com a pessoa inteira que se apresenta em relação. Além disso, o olhar pode ser um modo como nos lançamos às possibilidades e passamos a ser no mundo sem cisão: 

Janelas

Queria que meus olhos fossem
tão calados quanto eu.
Ou pelo menos absortos.

Se tão rios,
Se tão risos ou dispersos
não sei sabê-los.

E anunciam marotos:
“Sê alma crescente através de mim!”
“Sê transcendente ao que tocas!”
“Sê ourives do teu coração...”.

Olhos meus são janelas
d’onde o mundo afora é aquarela.
Quase tosca.
Mas envolvente,
fascinante
e lúdica.

(Vânderson Domingues, 1997)
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