Durante quase toda a história humana relatada, é possível identificar líderes genuínos que se destacaram na multidão por diversos motivos. Alguns se tornaram referência nas artes, outros na política, enquanto outros despontaram caminhos de autoconhecimento espiritual.
Muitos deles mudaram o contexto em que viveram, não com revoluções armadas ou complexas teorias de física ou matemática, mas com o serviço (compaixão ativa), balançando estruturas sociais e culturais por onde passaram. De Madre Tereza a Mahatma Gandhi, de Jesus a Budha, a história sempre presenciou seres movidos pela intenção sincera de ajudar ao próximo, que colaboraram para transformar os contextos e as pessoas em que neles viveram, algumas vezes perpetuando essas mudanças por séculos e milênios.
No oriente, mais precisamente no Budismo, há um título para aqueles que, no auge da autorrealização espiritual, renunciam ao interesse egoísta de iluminação e passam a servir aos outros em suprema compaixão: são chamados de Bodhisattvas.
No oriente, mais precisamente no Budismo, há um título para aqueles que, no auge da autorrealização espiritual, renunciam ao interesse egoísta de iluminação e passam a servir aos outros em suprema compaixão: são chamados de Bodhisattvas.
Por definição, bodhisattva significa o ser (sattva) iluminado (bodhi) movido por plena compaixão que desenvolveu a aspiração espontânea de beneficiar todos os seres sencientes para que se iluminem também. [1]
Assim, é justo dizer que para realizar a compaixão plena de bodhisattva, o buscador espiritual necessita desenvolver, além da amorosidade sem fronteiras, também a visão integral. Isso ocorre pelo simples fato de que é impossível acolher completamente o momento do caminho de si e dos outros, sem ter desenvolvido uma perspectiva mais expandida da vida. Assim, somente uma visão integrada é capaz de incluir as múltiplas manifestações cósmicas da jornada e, juntamente com o amor compassivo, acolher os diversos seres sencientes e seus possíveis “pontos de vista”.
De outra forma, não estaríamos falando de um/a bodhisattva com um olhar para o todo, mas de uma pseudo-iluminação que apenas reflete a luz sobre si mesmo em deslumbramento narcísico, refém do egocentrismo espiritual rigorosamente contraposto a qualquer sentido genuíno de compaixão.
Destarte, na melhor das hipóteses, o/a caminhante espiritual desprovido/a de visão integral é aquele/a que desenvolveu certo grau de amor fraterno, mas em seu íntimo ignora ou tem profunda dificuldade de conviver, acolher e respeitar todas as diferenças, por simplesmente não compreendê-las. Neste caso, é possível que a intenção amorosa seja correta, mas que na prática, ao tentar oferecer luz para o próximo, ocorra o fenômeno bíblico do “cego guiando cego”.
Por isso não é difícil encontramos boas intenções entre participantes e líderes de grupos espirituais e religiosos que, mesmo capazes de discursar a cerca de teorias elaboradas sobre o Absoluto, por uma limitação de visão, em vez de doadores de amor incondicional, agem como reacionários tentando “consertar o mundo” ao seu próprio jeito. Para ser mais direto, é até certo ponto comum encontrarmos em grupos dessa natureza guias e devotos radicalmente desprovidos de quaisquer diálogos construtivos, com respostas prontas e impositivas sobre as verdades do universo. Muitos desses caminhantes, inequivocamente, projetam suas limitações, neuroses e sombras sobre “o mundo” além dos muros que suas visões têm dificuldade de englobar. Assim, “o mundo” passa a ser um lugar áspero que precisa ser mudado a todo custo, e nele as pessoas que não encontraram a suposta verdade proferida. Neste caso, ainda que demore, o/a candidato/a a orientador/a espiritual precisa compreender que é ele/a que necessita de orientação compassiva.
Em casos, talvez, mais recorrentes, trabalhadores da luz candidatos a bodhisattvas podem ser apenas pessoas comuns. Com ou sem religião, são trabalhadores que sentiram um chamado para contribuir com o que podem no momento, mas oscilam entre as próprias limitações e o amor fraterno desinteressado.
Portanto, para os que ainda não chegaram ao ponto de servidores incondicionais, com uma visão abrangente sobre o todo, não há motivo para alarde. É de grande valia o movimento rumo à prática do serviço desinteressado. Além disso, reconhecer o próprio estágio do caminho também faz parte do aprendizado e, parafraseando o poeta, “servir se aprende servindo”.
E com essa compaixão ativa é possível gradualmente transcendermos o eu egocêntrico e nos entregarmos a uma direção mais abarcante da existência, desenvolvendo um amor sem restrições juntamente com uma visão integral. Para, enfim, nos tornarmos legítimos bodhisatvas, e conseguirmos acolher as formas múltiplas de perspectivas em todas as criaturas.
Como diria a tradição budista, “Sabedoria e compaixão são como duas asas de um pássaro – as duas são necessárias para a Iluminação”. Complemento dizendo que todo ser iluminado continua voando com sabedoria e compaixão depois da auto-realização, mas sempre retorna para pousar na Terra e convidar todos para que possam voar consigo também.
* Texto publicado originalmente em 2014.
©Todos os direitos reservados. Você pode compartilhar os textos através dos botões sociais, desde que seja dado o devido crédito. Você não pode fazer uso comercial das obras assinadas pelo autor e nem criar obras derivadas para quaisquer fins. A infração está sujeita a punição, conforme previsto na Lei nº 9.610/98.
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Referências:
[1] Bodisatva http://pt.wikipedia.org/wiki/Bodisatva
WILBER, Ken. Espiritualidade Integral: Uma nova função para areligião neste início de milênio; trad Cássia Nasser. São Paulo: Aleph, 2007.
WILBER, Ken. O Olho do Espírito. São Paulo: Pensamento-Cultrix Ltda, 1997.
WILBER, Ken. O Olho do Espírito. São Paulo: Pensamento-Cultrix Ltda, 1997.
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