Por Vânderson Domingues
Tanto se fala na atualidade sobre Propósito de Vida que, paradoxalmente, tem se criado uma grande confusão de referências e o termo parece cada vez mais vazio de significado. São muitas explicações sobre o assunto e, algumas vezes, isto pode soar como se estivéssemos num lugar comum de frases prontas, repetidas e com pouca profundidade.
Talvez isso aconteça porque a palavra Propósito, quando falada, evoca em cada um de nós significados, percepções e entendimentos muito particulares e tentar padronizar uma visão sobre isto seja uma missão (quase) impossível. Em outras palavras, cada pessoa, a depender de seu sistema de crenças, tem uma compreensão própria do que é Propósito de Vida.
Porém, a busca por Sentido faz parte da existência humana desde tempos remotos. A religião e a filosofia, por exemplo, sempre se ocuparam disto, com enfoques distintos. Hoje a ciência também se dedica a estudos sobre o Sentido.
RELIGIÃO
Em termos gerais, o campo da Religião traz a ideia de que o sentido de vida é algo simplesmente dado, ou seja, nós descobrirmos o Propósito que já está pronto para ser revelado em nossa busca por Significado. Segundo essa perspectiva, devemos, então, sintonizar com o nosso Propósito único e intransferível, que faz parte de um “plano maior”, cabendo a cada um de nós desvendá-lo.
O Cristianismo, com uma perspectiva mais transcendente, tende a apontar para um sentido de vida através do encontro e união com Deus. Tal visão pode ser percebida nas palavras do teólogo Agostinho de Hipona, mais conhecido como Santo Agostinho: “Criaste-nos, Senhor, para Ti e nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em Ti”.
Todavia, o Budismo, como religião mais psicológica tem outra forma de enxergar. A sua sofisticada cartografia da consciência e respectivos métodos de meditação são voltados para a libertação da existência cíclica de mortes e renascimentos que deve ser realizada no “aqui e agora”. Para isso, compreende, dentre outras coisas, que devemos desenvolver a prática da compaixão, expressadas nas palavras do líder religioso tibetano Tenzin Gyatso, mais conhecido como Dalai Lama: “Se você quer que os outros sejam felizes, pratique compaixão. Se você quer ser feliz, pratique compaixão”.
Dessa forma, o Budismo aponta para um Sentido que se concretiza servindo aos outros seres, como também expressado nas palavras do Dalai Lama: “Tente estar em paz consigo mesmo, e ajude os outros a compartilhar desta paz. Se você contribuir para a felicidade de outras pessoas, encontrará a verdadeira meta, o verdadeiro sentido da vida.”.
FILOSOFIA
A seara da Filosofia, genericamente, por sua vez, compreende que Significado é algo que atribuímos à existência. Em suma, para a filosofia, não existe nada a ser revelado e sim criado por nós. Como seres conscientes que somos, podemos dar um Significado maior às nossas vidas e tornarmos melhor possível a existência.
Nesse sentido, os filósofos Platão e Aristóteles, que divergiam profundamente em suas concepções filosóficas, parecem encontrar um ponto de convergência aqui, ao menos sobre a importância de se ter um Propósito de Vida.
Platão compreendia o ser humano como “um ser em busca de significado”. Para ele, para ser feliz era preciso conhecer as leis lógicas naturais do Universo como pré-requisito de desenvolver uma vida virtuosa em sociedade. De outro modo, o indivíduo permaneceria em uma busca por satisfação egoísta em detrimento dos outros, o que resultaria em infelicidade.
Já Aristóteles, discípulo de Platão, foi muito assertivo em afirmar a importância de se criar um sentido para a vida:
“Toda pessoa deve ter algum objetivo para o qual dirigir a sua boa vida e todos os seus atos serão conduzidos a ele, uma vez que não ter uma vida organizada em função de um determinado fim é um sinal de grande tolice.”.
CIÊNCIA
Atualmente, a Ciência também entrou nessa história. Estudos recentes sobre Felicidade, Realização Pessoal, Sucesso etc, têm descoberto um ponto fundamental em comum: O Propósito de Vida.
Martin Seligman, um dos pioneiros da Psicologia Positiva – ramo da psicologia que estuda a felicidade - por exemplo, estabeleceu um modelo com 5 elementos que constroem o nosso bem-estar, dentre eles o Propósito ou Sentido. Em seu livro Florescer: Uma nova e visionária interpretação da felicidade e do bem-estar, Selligman define o Propósito como “Pertencer e servir a algo que você acredita ser maior do que você.”.
Já o professor de Psicologia de Havard, Tal Ben-Shahar, conhecido pelas suas aulas sobre felicidade serem as mais concorridas de toda a Universidade, ensina que “ter dinheiro ou ser famoso só nos faz ter faíscas de alegria” e define felicidade como “a vivência plena do propósito e do prazer”.
Por sua vez, a professora de Psicologia da Universidade da Pensilvânia, Angela Lee Duckworth, especialista em Sucesso, demonstrou em seus estudos que, diferentemente do que possamos crer, não são o talento ou a inteligência que impulsionam nossas conquistas. Em vez disso, a “garra” (determinação) é o fator fundamental que define se algum individuo vai se destacar mais do que outros em algum grupo rumo ao Sucesso. Resumidamente, a “garra” é a habilidade pessoal de escolher um objetivo de longo/longuíssimo prazo e não desistir, apesar das vicissitudes da vida, das dificuldades e desafios que fatalmente surgirão no caminho. Segundo as pesquisas de Duckworth, um dos elementos que ativam a nossa determinação é o Propósito, que ela define como: “O que você faz é importante para você e para os outros.”.
JUNTANDO OS PONTOS: RELIGIÃO, FILOSOFIA E CIÊNCIA
Muitas pesquisas e teorias disponíveis deixam claro que uma Vida com Sentido deve ser cultivada. Porém, tantos pontos de vista distintos (e alguns, aparentemente, divergentes) levam a crer ser improvável um acordo entre eles.
Contudo, grandes referências da humanidade em diversas áreas, como os filósofos Aristóteles e Platão, o teólogo Agostinho de Hipona, o líder religioso Dalai Lama e o cientista Tal Ben-Shahar, concordam com o valor de experienciar uma Vida com Sentido. Além disso, tanto Dalai Lama e cientistas como Angela Lee Duckworth e Martin Seligman deixam claro que o Propósito de Vida tem a ver com servir a algo ou alguém, em um sentido que transcenda ao ego.
Pelo aspecto do serviço, uma concordância sobre as perspectivas talvez seja encontrada no trabalho de Viktor Frankl: psiquiatra, PhD em Filosofia e fundador da Logoterapia (a terapia do sentido). Para Frankl, um dos pilares para se viver uma vida com sentido está justamente na autotranscedência, ou seja, superar o individualismo e servir a algo ou a alguém. Em seu livro Psicoterapia para Todos, Frankl afirma que “Somente na medida em que o homem se ultrapassa a si mesmo a serviço de uma causa, ou no amor a uma pessoa, a si mesmo se realiza.”.
Corroborando a essa visão, o filósofo contemporâneo, criador da Abordagem Integral, Ken Wilber, diz que “um dos principais segredos de uma vida feliz é a prática consciente de servir com intencionalidade sincera”. E Wilber continua com uma orientação integral do serviço dizendo que “servir pode se estender não apenas às outras pessoas, mas também aos animais, às plantas, ao ambiente, aos sistemas e a todo o mundo natural”.
Assim, podemos dizer que cada uma das abordagens (Religião, Filosofia e Ciência) oferece uma chave diferente para abrirmos a porta de uma vida melhor e mais realizada. E, ainda, esses campos do saber talvez tenham um ponto em comum sobre o Propósito: encontrar algo que transcenda ao individualismo, noutras palavras, desenvolver a virtude do serviço desinteressado.
E, nesse sentido, existem duas boas notícias. A primeira é que não importa o caminho que escolhemos, quando o Propósito é encontrado/revelado não faz mais diferença e ficar tentando investigar a origem se torna secundário. Isto porque, quando passamos a viver alinhados com um Propósito, este passa a fazer parte de quem nós somos de tal maneira que não é mais necessário pensarmos nele como um objeto separado a ser descoberto, criado ou desenvolvido.
Porém, a segunda e melhor notícia é que podemos somar a sabedoria de cada um desses campos de conhecimento. Não precisamos deixar de ser cristãos ou budistas, nem desacreditar na ciência ou parar de ler livros de Nietzsche. Pelo contrário, conectar o que cada caminho tem de bom de forma inclusiva e abrangente nos fornece pistas muito poderosas e até mesmo tende a acelerar a busca por uma vida com Sentido.
Portanto, talvez a Religião (sentido em um Plano Maior), a Filosofia (atribuir significado a existência) e a Ciência (desenvolvimento de habilidades pessoais) possam andar juntas e se potencializarem entre si. E uma combinação auspiciosa de cada um de seus melhores aspectos promete trazer de fato um resultado extraordinário em nossas vidas: a sensação de realização, plenitude e felicidade!
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*Texto publicado em 2018.
REFERÊNCIAS
Frankl, V. (2018). Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração, 2 ed. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis RJ: Vozes.
Frankl, Viktor. (1990). Psicoterapia para todos. Petrópolis - RJ: Vozes.
Frankl, Viktor (1973). Psicoterapia e sentido da vida: fundamentos da Logoterapia e análise existencial. São Paulo: Quadrante.
Paulo, Pe. Sentido da Vida. Disponível em http://www.fecomvirtudes.com.br/sentido-da-vida-5/. Acesso em 29 de Set. 2018.
Paulo, Pe. A atualidade de Santo Agostinho. Disponível em http://www.fecomvirtudes.com.br/a-atualidade-de-santo-agostinho/. Acesso em 29 de Set. 2018.
Pereira, Nando. A verdadeira compaixão não é pena nem apego, é a compreensão da igualdade real entre todos: Dalai Lama [78]. Disponível em <http://dharmalog.com/2013/07/05/a-verdadeira-compaixao-nao-e-pena-nem-apego-e-a-compreensao-da-igualdade-real-entre-todos-dalai-lama-78/>. Acesso em 02 de Out. 2018.
Rodrigues, Anna Carolina. O professor de Harvard que ensina a ser feliz. Revista Exame. Disponível em <https://exame.abril.com.br/carreira/o-professor-da-alegria/>. Acesso em 01 de Out. 2018.
Seligman, M. E. P. (2011). Florescer - uma nova e visionária interpretação da felicidade e do bem-estar. Rio de Janeiro: Objetiva.
WILBER, Ken, et al. A prática da vida integral: um guia do século XXI para a saúde física, equilíbrio emocional, clareza mental e despertar espiritual; tradução Carlos Augusto Leuba Salum, Ana Lucia da Rocha Franco. São Paulo: Cultrix, 2011.
Zamulak, Juliana. Autotranscendência: caminho para superação do individualismo. Escola Mafre Antólia Curitiba (PR). Disponível em http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/le/article/view/26268 Acesso em 02 de Out. 2018.
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