O Renascimento cultural e científico foi marcado pela emergência de diversos nomes na filosofia e nas ciências. Dentre eles, Francis Bacon (1561–1626) e René Descartes (1596–1650), cada um ao seu modo, foram dois dos mais proeminentes pensadores dessa época e marcaram o nome na história do pensamento ocidental.
FRANCIS BACON
Francis Bacon nasceu em Londres. Em Cambrige, entrou em contato com a filosofia de Aristóteles da qual se tornou crítico. Dentre muitos dos seus trabalhos se destaca o projeto intitulado Instauratio Magna [A Grande Instauração] que tinha como intuito a refundação das bases do conhecimento humano em prol, segundo o filósofo, de “um verdadeiro e extraordinário progresso do saber”.
Para ele, os antecessores, incluindo os adeptos do que chamou de “esterilidade da filosofia aristotélica”, não possuíam um método para a melhoria das diversas áreas da ciência. Para Bacon, as causas da dificuldade em se estabelecer uma “ciência fecunda em resultados práticos” seria a mente humana. Esta, repleta de pré-juízos (preconceitos, noções falsas, crenças), poderia ser comparada a uma espécie de “espelho deformado que reflete desigualmente os raios de luz e distorce as imagens.”.
Para sanar esta questão, procurou desenvolver um modelo que pudesse ser definido como científico e repetido. Com isso, Bacon criou um método indutivo moderno que somente toma como partida fatos concretos, para chegar as formas gerais: as leis as causas que constituem tais fatos. Não obstante, Adorno e Horkheimer o intitularam de “o pai da filosofia experimental” (CARVALHO, 2010).
Porém, na prática, Bacon nunca terminou a monumental tarefa de seu projeto embora haja algumas das seis partes por ele propostas. Assim, Bacon somente publicou o Novum Organon e duas obras que tratam da primeira parte. As seis partes se dividiam em:
1. A divisão das ciências: pretendia ser uma classificação e ordenação completa das ciências existentes;
2. Novum Organon [A Nova Lógica]: consistia na formulação dos princípios de um novo método para a ciência e para o conhecimento;
3. O Fenômeno do Universo: consistiria em um repertório de fenômenos e de dados coletados empiricamente;
4. A escada do intelecto: seria composta por uma reflexão sobre o estado das ciências e suas deficiências;
5. Os percussores: seria uma série de exemplos de aplicação do método;
6. A nova filosofia: iria apresentar o resultado final.
Em suma, segundo o filósofo e matemático Bertrand Russell, Francis Bacon “possui relevância permanente como fundador do método indutivo moderno e como pioneiro na tentativa de sistematizar logicamente o procedimento científico” (RUSSELL, 2015).
RENÉ DESCARTES
Descartes nasceu na França, em La Haye en Touraine. No colégio jesuíta de La Flèche entrou em contato com clássicos da literatura, matemática e mecânica. Entende-se que ele acessou, também, saberes inovadores da ciência para a época que ao poucos destronavam o conhecimento aristotélico vigente.
Por ter apresentado fundamentos metafísicos do trabalho de Galileu – “pai da ciência moderna” – é considerado “pai da filosofia moderna”. Na área da matemática formulou a geometria analítica e o plano cartesiano, e, como filósofo, o seu objetivo era chegar ao verdadeiro conhecimento.
Descartes acreditava que o bom senso – capacidade de distinguir o verdadeiro do falso - era universal. Entretanto, também dizia que “não basta ter o espírito bom, é necessário ainda aplicá-lo bem” (CONTIC, 2020). Para isto, insurgiu a necessidade de “um método para bem guiar a razão na busca” (CONTIC, 2020).
Assim, Descartes desenvolveu o método cartesiano que consiste no ceticismo metodológico, ou seja, na dúvida radical - duvida-se de cada ideia que pode ser duvidada - sobre a existência do conhecimento verdadeiro.
Descartes argumentou sobre a limitação dos sentidos que seriam fonte de equívocos e pouco críveis. Em seu exercício filosófico percebeu que por mais engano que houvesse através dos sentidos, o “eu” (res cogitans) continuaria existindo enquanto estivesse pensando em alguma coisa. Daí sua célebre frase: “Eu penso, logo existo”.
Destarte, o método cartesiano foi criado para bem conduzir os nossos pensamentos com quatro princípios básicos:
1. Princípio da evidência: não admitir algo como verdadeiro se não tivermos evidências, verificando se existem evidências reais e indubitáveis, suficientes para considerar como tal;
2. Princípio da análise: dividir os problemas em tantas partes quanto forem possíveis, repartindo ao máximo suas unidades de composição, para que melhor possam ser resolvidos;
3. Princípio da síntese: estabelecer uma ordem de relação entre nossos pensamentos, solucionando primeiro as questões mais simples e depois as mais complexas, agrupando novamente as unidades estudadas em um todo verdadeiro;
4. O princípio de controle: fazer constantes revisões de todo processo para ter certeza de que nada foi omitido, enumerando as conclusões e princípios utilizados, com intuito de manter a ordem do pensamento.
O trabalho de Descartes é considerado um dos mais sofisticados da filosofia da ciência e da revolução científica.
SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS
Uma semelhança flagrante entre o trabalho de Francis Bacon e René Descartes era defender a necessidade de um método para o conhecimento. Para Bacon, o pensamento antigo não era possível para a ciência da sociedade que emergia na efervescência da Renascença. Descartes também concordava com esta proposição, e compreendia que era preciso recorrer a um novo modelo racional para a ciência, deixando a tradição aristotélica para trás.
Outra semelhança entre os dois estava na necessidade de distinção, especificamente entre o verdadeiro e o falso. Descartes argumentou sobre a limitação dos sentidos que seriam causa de engano e ilusão, além da “importância de se desfazer dos preconceitos e dos erros adquiridos pela educação” (CONTIC, 2020). Bacon, por sua vez, compreendia que a humanidade adorava noções falsas que “obstruem o acesso da verdade” e são também “obstáculos à própria instauração das ciências” (BACON, 1973, appud CONTIC, 2020).
Porém, a diferença mais marcante na noção de método dos dois talvez esteja em de onde partem suas proposições. Francis Bacon tem como ponto de partida os fatos concretos, tal como se dão na experiência, para se chegar as formas gerais. Descartes, por outro lado, duvida dos sentidos e conclui que existe um sujeito que pensa independente do seu exterior, ou seja, seu método não parte de fatos concretos da experiência percebidos pelos sentidos, que considerava enganosos, mas do sujeito (eu) que pensa (res cogitans) com clareza e distinção.
Em se tratando da discussão sobre a filosofia da ciência, pode-se dizer que tanto Francis Bacon como René Descartes impulsionaram a revolução científica. Bacon, principalmente com o método indutivo moderno que se destacou como abordagem do empirismo, e com sua “tentativa de sistematizar logicamente o procedimento científico”. Descartes, por sua vez, com a metodologia cartesiana, inaugurou uma das formas mais elaboradas de investigar e de pensar o mundo até então, e marcou tanto a filosofia moderna como o próprio método científico.
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REFERÊNCIAS
CARVALHO, Alonso Bezerra de. A filosofia da educação moderna: Bacon e Descartes. [S. l.]: UNESP, 2010, p. 2. Disponível em: https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/127/3/01d07t02.pdf. Acesso em: 19 maio 2020.
CONTIC, Sacha Zilber. Filosofia da Ciência e do Conhecimento. [S. l.], 2020, p. 26, 33, 34, 37. Disponível em: http://digital.unisa.br/pluginfile.php/906789/mod_resource/content/0/0.MA.Elemento%20Textual%20-%20Filosofia%20da%20Ci%C3%AAncia%20e%20Teoria%20do%20Conhecim.pdf. Acesso em: 19 maio 2020.
RUSSELL, Bertrand. História da filosofia ocidental. 2. ed. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015, p. 719. ISBN 978-85-209-2835-6. E-book (1084p.).
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